Um casal, com roupas de casamento, onde o homem beija a testa de sua esposa

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Existe relacionamento perfeito?

Gustavo Arnoni

Gustavo Arnoni

Por mais que exista uma constante desilusão com as relações amorosas, elas continuam sendo pauta de grande parte dos seriados, músicas e filmes. As pessoas oscilam entre a descrença de que qualquer amor é possível e a de que só encontrando o “amor da sua vida” a existência terá algum sentido. Faça um exercício – bastante doloroso, na minha opinião – de ouvir dez músicas sertanejas. Você notará uma devoção basicamente religiosa ao romance que, repentinamente, será transformada em frustração, traição e saudades. Não raramente, terminando com cerveja e noitada em busca do novo amor. Todos esses relatos, além de serem experiências reais, pelo menos dos amantes de sertanejo universitário, são desenvolvidos conforme dois grandes padrões contemporâneos de relacionamento: o romance e a pornografia. O romance é uma coisa boa, parte da criação de Deus. Ele tomou feições perigosas quando foi devorado pela revolução afetiva. Sensações, prazer e bem-estar se tornaram a nova base dos relacionamentos. Esse tipo de mentalidade não é exclusividade da cultura “pagã”, mas se tornou até mesmo central no cristianismo popular. Um exemplo claro é a quantidade de vezes que usamos o termo “sentir a presença de Deus”. Em nenhum local a bíblia utiliza o termo “sentir a presença”. Ela diz sobre andar na presença de Deus, estar em sua presença, mas não como “sensações”. Não significa que Deus não gera emoções e sensações em nós. É óbvio que gera. No entanto, sentir não é a base sobre a qual as escrituras desenvolvem o relacionamento. O mesmo vício emocional que toma a sociedade, toma os cristãos. Isso impede que as pessoas consigam ter padrões morais objetivos para julgar ações. Se a ação parece emocionalmente relevante, ela é tida como correta. Quantas vezes, em seriados, casais desmancham seus relacionamentos por terem encontrando outra “pessoa ideal”? Toda a narrativa ali é construída para induzir os espectadores a concordarem. De fato, todo discurso de promoção do adultério ou da homossexualidade pela mídia são regados de conteúdos emocionais, pois é o modo mais fácil de transpor a moralidade de alguém para dentro da narrativa afetiva. A pessoa está “feliz” – e pode ser que esteja emocionalmente feliz, mesmo –, portanto, parece ser o correto e é, desse modo, permitido. O outro grande padrão é o pornográfico. Normalmente, mas com algumas exceções, os padrões românticos atingem mulheres, enquanto os pornográficos, os homens. Corpos perfeitos, intensa disposição sexual, fetiches, sem constrangimento, com tudo permitido, são mentiras que a indústria pornográfica vende. O refém da pornografia tende a ver todos aqueles que estão próximos como possíveis parceiros sexuais. A malícia se desenvolve no olhar, na audição, no toque, gerando ilusões que, quando desfeitas, geram raiva e vergonha. Os cristãos não estão livres disso. Homens cristãos que consomem ou consumiram pornografia consistem em quase 70%. Possivelmente, um homem cristão que consiga prosseguir para o casamento, terá muita dificuldade de aceitação da parceira e da realidade sexual como ela, incluindo seu próprio desempenho. Além dessas duas projeções, a romântica e a pornográfica, ainda temos que lidar com os padrões estéticos passados pela mídia. Repare que é muito recente a mulher negra ou o cabelo crespo encontrar espaço no mundo da estética. E parece que sua aceitação teve mais uma motivação mercadológica do que uma ampliação social dos padrões de beleza. O homem alto, forte, bem-sucedido, totalmente seguro, queixo e ombros largos, forma o ideário masculino na mente da mulher. Ainda que, vez ou outra, as mulheres consigam fugir desses padrões, permanece o ideal de se associar a algum homem de poder. Adolescentes de periferia, não poucas vezes, se apaixonam pelo traficante, que promete certo conforto e proteção. Moças de classe média, não vêem problemas reais em se relacionar com homens muito mais velhos, desde que sejam afortunados e ofereçam conforto material. Meninos sonham com a mulher fitness, sem estrias, que permanece com o corpo inalterado mesmo tendo filhos. Esperam que todas as mulheres sejam recém saídas de clínicas de estética caríssimas. Há um irrealismo em basear as relações nesses padrões. A mulher casa com o homem, numa perspectiva romântica, esperando que ele mude, melhore, se torne mais carinhoso. Algumas moças cristãs se envolvem com homens de outra fé na esperança de que se convertam ao cristianismo. Mas, aí vem a frustração da realidade: homens mudam pouco ou mudam lentamente. A moça cristã, na esperança da conversão do marido, encontra-se num relacionamento conturbado. É afastada da igreja ou se mantém na igreja, porém com conflitos em casa. O homem se casa esperando que a mulher seja sempre a mesma, mas não é. Seus constantes erros magoam, mudam o carinho; o corpo da mulher vai sendo transformado com o tempo e com a maternidade. Ele, insuflado de secularismo estético, começa a se sentir insatisfeito, a olhar outras mulheres. O homem cristão, pouco ciente da riqueza da aliança de Cristo com a Igreja, começa a considerar o divórcio, sofre o distanciamento, começa com a cobrança e a crítica. Fica relapso em manter o carinho que sustenta a mulher emocionalmente. Por outro lado, os que se julgam um pouco mais “racionais”, tentam fazer suas escolhas no “mercado das relações” não baseados só nos afetos e sexo, mas na identificação. “Preciso escolher alguém da mesma carreira que eu”. Eu via como era comum, ainda na faculdade de teologia, que amigos projetassem relacionamentos com “teólogas”. Seja por área de estudo, carreira, gostos musicais ou atividades físicas e recreativas, essas pessoas acreditam que a mera identificação seja capaz de fornecer a base duradoura para um relacionamento. Será que isso é realmente razoável? Quantas vezes você mudou de gostos, planos ou carreira na vida? Se a projeção de um casal perfeito está nisso, é muito provável que, quando houver a mudança, haja a ruptura do relacionamento. No relacionamento cristão, existe um princípio básico, origem de todos os outros: a fé. Paulo nos diz, exemplificando esse princípio geral, se uma mulher se tornar viúva, ela pode se casar novamente, contanto que ele “pertença ao Senhor” (1 Coríntios 7:39). Paulo não está dizendo que pessoas não cristãs sempre terão seus casamentos infelizes, ou que só o casamento cristão é um verdadeiro casamento. O que ele está colocando é que existe um ponto elementar que guia todas as ações do cristão. E não há nada mais elementar do que a fé em Jesus Cristo. Todos os gostos e planos podem ser adaptados, mas isso não. A criação de filhos, as decisões que serão tomadas na vida conjugal, todas elas perderão um elo fundamental se ambos não partirem da mesma visão de mundo. Pense em termos práticos. O que vocês ensinaram que é “certo”, “verdadeiro” e “justo” aos seus filhos? Existem muitos discursos e narrativas na sociedade. Se cada membro do casal partir de um discurso diferente, decisões do casal e educação dos filhos serão quase sempre confusas e conflituosas. Evidentemente, a fé não é garantia de que não existirão conflitos, mas haverá sempre o ponto de ponderação: o Senhor Jesus Cristo e sua palavra. No entanto, em termos práticos e inspirados pela fé, existem outras virtudes que são indispensáveis em uma relação. Fidelidade O autor de Hebreus afirma a necessidade de manter o leito conjugal puro, uma vez que Deus julgará os imorais e adúlteros (Hebreus 13:4). A fidelidade é a base para a manutenção da pureza. A consciência de que firmamos uma aliança um com o outro e diante de Deus nos impulsiona para preservar essa relação. Embora, na prática, o adultério seja o envolvimento pessoal com outra pessoa, Jesus ressalta que o coração sempre precede práticas más. Se você fantasia sexualmente ou romanticamente algo com outra pessoa, Jesus chama isso de adultério (Mateus 5:28). Jó usa a palavra “pacto” para a aliança feita com seus olhos de não olhar de modo luxurioso (Jó 31:1). Pacto é justamente a base da fidelidade. Cumplicidade Cumplicidade é o envolvimento responsável na ação de outro. Quando é usado no meio criminal, o cúmplice, ainda que não tenha praticado o crime, é responsabilizado por ele, uma vez que participou ativa ou passivamente. Claro, o casamento não é uma espécie de máfia nuclear para crime em casal. Cumplicidade, aqui, significa a participação ativa do casal em todos os processos familiares. A educação dos filhos não é uma tarefa exclusiva da mãe ou do pai. A administração das finanças precisa ser compartilhada. Todo o dinheiro que entra para a família é da família. Por isso é estranho que casais cristãos pensem em sua carreira e vida profissional em perspectiva mundana. Não existe “minha carreira” em um casamento. Tudo afeta os dois, desde a mobilidade, recursos e tempo. Alguns sacrifícios profissionais não podem ser feitos, uma vez que o sangue derramado será o da própria família. Lealdade Lealdade é uma espécie de sinônimo de fidelidade, mas vai além disso. Enquanto a fidelidade pode ser o mero cumprimento de um dever externo, a lealdade envolve a alma da pessoa. José, pai social de Jesus, foi extremamente leal quando quis despedir Maria em segredo ao descobrir sua gravidez. Como estavam sob contrato de noivado, a gravidez de Maria resultaria em punições penais pesadas a ela. José, sendo um homem justo, prefere suportar sozinho a aparente traição e adultério, sendo leal. A lealdade de José foi honrada, a tal ponto de um anjo explicá-lo que nunca se tratou de traição, mas de uma gravidez gerada pelo Espírito Santo, a qual geraria o salvador da humanidade. Ter interiormente a disposição de lealdade com quem você se uniu é algo que Deus nota e recompensa. Respeito Qualquer relação que não tenha respeito tem prazo de validade. Namorados ou cônjuges que se xingam, agridem verbal ou fisicamente, regam a destruição de suas relações. Caso seu namoro possua algo do tipo, esse é um sinal claro para que esse relacionamento seja interrompido abruptamente. Esse respeito, porém, vai além de situações mais extremas. Palavras que diminuem, acusações e desconfianças, tudo isso demonstra a deficiência em respeitar plenamente a outra pessoa. Enfim, retornamos ao título do texto: “Relacionamento perfeito”: isso existe? Não, isso não existe. Existem relações mais próximas de Deus, mais próximas daquilo que é perfeito, e relações mais distantes, mais destrutivas. A perfeição máxima que se espera de uma relação está no amor, que é um reflexo divino para que toda estrutura temporal se ajuste. O amor é aquilo que nos dá força maior do que a fé que move montanhas; que ajusta todo conhecimento na medida e prioridade certa; que coloca a si mesmo como sacrifício acima de todo holocausto; que suporta e é paciente; contenta-se com o que tem, na gratidão de todo recebimento ser graça; o amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera.

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Foi por isso que deixei o Twitter...

Ray Ortlund
Ray Ortlund
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Ray Ortlund

4 min
O que falarei aqui é uma posição pessoal. Não é minha intenção tecer críticas a alguém em específico. Para alguns, o Twitter pode até mesmo ser uma necessidade relacionada ao trabalho. Mas, no meu caso, estou fora. Relutantemente, admito, pois é sim possível fazer algo bom com o uso do Twitter, mas, ainda assim, estou fora. Por que? Bom, darei alguns breves motivos. Minha ética do Twitter é fortemente influênciada pelos seguintes trechos das Escrituras: “Procurem fazer o que é correto aos olhos de todos” (Romanos 12:17). Exposição pública requer uma reflexão cuidadosa. “Seja a amabilidade de vocês conhecida por todos” (Filipenses 4:5). Os cristãos deveriam ser conhecidos pela sua sensatez em meio a um mundo que destila ódio. “(...) a ira do homem não produz a justiça de Deus” (Tiago1:20). Nosso fervor moral pode, muitas vezes, parecer algo louvável, mas é apenas imoral e danoso à reta justiça. “Tudo seja feito para a edificação da Igreja” (1 Coríntios 14:26). “Tudo”, incluindo o seus tweets. Cada um deles. “O tolo dá vazão à sua ira, mas o sábio domina-se” (Provérbios 29:11). Um pensamento comum que com bastante frequência me vêm à mente: “Ray, cala a boca!” “Ao entrarem na casa, saúdem-na. Se a casa for digna, que a paz de vocês repouse sobre ela; se não for, que a paz retorne para vocês” (Mateus 10:12, 13). Algumas pessoas simplesmente nunca ficaram satisfeitas pois estão, obviamente, insatisfeitas. Quando me encontro alguma dessas pessoas, o Senhor me orienta a parar e, com tristeza, dar meia volta, permitindo que a paz retorne para mim. Isto posto, três pontos importante pesaram na minha decisão: Primeiro: o bem que pode ser alcançado por intermédio do uso do Twitter pode também ser alcançado – e de modo muito mais frutífero – na vida real. Ficar subindo a tela do Twitter é uma experiência bastante intensa que pode, na mesma intensidade, nos fazer de tolos. Faz parecer ser mais real do que, de fato, o é. A demanda emocional é alta demais. O Twitter trai essa conectividade que nos atrai para ele. Acabamos cada vez mais acanhados, até mesmo injuriados. Por anos, diante do custo-benefício, sempre fiz o cálculo ser favorável aos benefícios. Eu não consigo mais fazer isso. Segundo: estou profundamente deprimido com o comportamento dos cristãos no Twitter. Há tantos que eu admiro! Mas o Twitter parece ser capaz de tirar o pior de cada um de nós. E é nítido que alguns nós não percebem o mal que estamos fazendo. As acusações irresponsáveis, as brincadeiras odiosas, a audácia, as reações-gatilho, as calúnias irreverentes... Por graça, raramente fui alvo desse horror. Contudo, mesmo apenas observando, minha alma começa a sofrer. Me sinto imundo. Como amo dizer, “a doutrina cristã cria a cultura cristã.” Nós todos falhamos em incorporar a beleza do Evangelho. Eu com certeza falho. Contudo, quando passamos a cruzar essa linha para exibir, repetida e publicamente, o exato oposto de Jesus, eu me oponho. Eu me oponho com cada força do meu ser. Me recuso a estar envolvido nisso. Terceiro: o Twitter consome muito tempo e não tenho todo esse tempo para perder. Para um homem na casa dos 70, eu sou supreendentemente saudável. Contudo, cedo ou tarde, algo ruim me encontrará para me derrubar. Ok, sei que Jesus está preparando um lugar eterno para mim, mas e se eu morrer, digamos, no meu aniversário de 80 anos. É algo hipotético, mas bastante plausível. Caso isso aconteça, significa que tenho apenas 2677 dias restantes neste mundo. E, no dia da minha morte, você acha que me arrependerei de não ter gasto esse tempo com o Twitter? A resposta é óbvia. Sentirei falta de interagir com os meus amigos do Twitter. Você sabe quem você realmente é e aposto que você é uma pessoa incrível, mas amizades são melhores cara-a-cara. Seja lá onde você estiver, Deus te deu verdadeiros amigos. Como Shakespeare sabiamente disse: “prende-os na tua alma com grampos de aço.” Portanto, por que não ligar agora mesmo para algum amigo querido e dizer o quanto ele significa para você? “O próprio Senhor da Paz dê a vocês a paz em todo o tempo e de todas as formas. O Senhor seja com todos vocês” (2 Tessalonicenses 3:16). P.S.: baixei todo o histórico do meu Twitter. Tenho tudo gravado.
Em busca de uma liderança irrelevante Meu coração estremece com as notícias de encobrimento de imoralidade por parte de pastores, celebridades e, em alguns casos, denominações inteiras. Não apenas raiva e tristeza tomam conta de mim, mas também medo. Começo a me questionar: E se fosse eu a agir assim? Não como vítima, mas como aquela que ignora a imoralidade. Será possível que meu coração um dia fique tão cauterizado a ponto de eu ignorar o mal, desejando apenas que a roda continue a girar e minha igreja ou nome não sejam expostos? Será que um dia me importarei mais com minha imagem do que com o Evangelho de Cristo? Sinto medo, pois sei que isso é possível. Sei que meu coração é mau e, sem a devida manutenção divina, ele pode endurecer e até apodrecer. “Nunca farei isso!”, dizemos nós, até que o prestígio bata na nossa porta nos cobrando algum preço. Talvez a resposta para isso esteja numa liderança cristã contracultural. Quando escolhi a dedo o livro O perfil do líder cristão do século XXI na biblioteca, não sabia o impacto que causaria em mim, especialmente nesse momento. Henri Nouwen teve suas obras traduzidas para mais de 35 línguas. Em sua última década de vida, Nouwen, que era padre holandês, abandonou as aulas que ministrava nas universidades de Yale, Harvard e Notre Dame para ser capelão de pessoas com deficiência intelectual na Comunidade Amanhecer (Daybreak), uma comunidade de L'Arche em Toronto. Esse livro conta brevemente as lições adquiridas desse novo momento de vida. Nouwen relata que, após 25 anos de ministério, sentia que algo não ia bem: (...) descobri que tinha uma vida pobre de oração, que vivia um tanto isoladamente das outras pessoas (...). Todos diziam que eu realmente estava agindo muito bem, mas alguma coisa dentro de mim me dizia que o meu sucesso colocava minha alma em perigo”. Para ajudá-lo a fugir desse lugar escuro, Deus lhe dera a direção de ir para L’Arche. Como disse o fundador das comunidades: “Vá e viva entre os pobres de espírito, e eles o curarão. Nouwen sentiu que sua vida começava novamente, pois suas habilidades adquiridas até então pareciam inúteis ali. Os acolhidos pouco se importavam com sua reputação e contatos: Estas pessoas (...) feridas e completamente despretensiosas me forçaram a abandonar o meu ego relevante, o ego que pode realizar coisas, mostrar coisas, provar coisas e construir coisas. A forma de trabalho em equipe da capelania era muito diferente da individualidade da qual estava acostumado. Os acolhidos também falavam o que bem pensavam, sem enfeites ou rodeios, e não podiam ser convencidos com “belas palavras”. A partir disso, Nouwen reflete sobre o que é ser um líder cristão em nosso tempo. Como disse Jesus: Quando você era mais jovem, vestia-se e ia para onde queria; mas quando for velho, estenderá as mãos e outra pessoa o vestirá e o levará para onde você não deseja ir (João 21:18) Para Nouwen, o mundo diz que em nossa juventude não podíamos fazer nossas escolhas, mas quando crescemos nos tornamos independentes. Já quando amadurecemos como cristãos, devemos ter disposição para irmos onde não queremos. Somos líderes-servos, sendo levados a lugares desconfortáveis. Enquanto o líder do mundo busca ascender e ser relevante, o líder cristão busca o caminho descendente: a cruz. Enquanto o líder do mundo busca habitar os holofotes, o líder cristão deve buscar “habitar na presença daquele que sempre está nos perguntando: ‘Você me ama? Você me ama? Você me ama?’”. O líder do mundo busca crescer sozinho, mas o líder cristão vive em comunidade: Assim como os futuros líderes devem buscar o sobrenatural (...), eles também devem estar sempre dispostos a confessar a sua fragilidade e a pedir perdão daqueles a quem ministram. Como nos mostra Henri Nouwen, o caminho relevante do cristão é inverso e contracultural. Enquanto eu - pelo poder do Espírito Santo - imitar aquele não veio ser servido, mas servir, manterei a salvo meu coração das tentações do poder. Com os olhos em Cristo, fugirei da cauterização do coração.
Vik Zalewski Baracy
Vik Zalewski Baracy

Vik Zalewski Baracy

4 min
Leia, mesmo que esteja apressado Dar conselhos sobre leitura nos faz correr o risco de soarmos pretenciosos, como se tivéssemos uma medalha de honra que nos definisse como leitores sérios ao invés de leitores ordinários. Contudo, vou correr esse risco de soar elitista, porque é comum as pessoas me perguntarem como consigo ler tanto e porque eu mesmo já fui muito beneficiado de artigos como este. Por isso, eis algumas dicas que me ajudaram a manter um ritmo regular de leitura. -1. Leia aquilo que te gera interesse Adam Gopnik diz que “ser um bom leitor não é sinônimo de discriminar certos tipos de leitura”, mas que é ser um leito “onívoro”. “Você nunca sabe o que pode capturar sua atenção.” Não concordo completamente com essa linha de pensamento; você precisa ser, em algum nível, preconceituoso ao escolher suas leituras ou você nunca fará algum progresso em adquirir conhecimento, seja lá qual for sua área de interesse. Contudo, concordo que, na hierarquia das decisões de leitura, esse preconceito – ou discriminação – deve acontecer em um degrau inferior, bem mais abaixo do desejo de dedicar tempo a qualquer livro que capture sua mente e imaginação. Para ler muito, você precisa gostar de ler e, para gostar de ler, você deve primeiro se interessar por algo. Alan Jacobs está correto ao afirmar que nós não devemos permitir que o sentimento de dever para ler alguns livros substitua o prazer de lê-los. A discriminação possuí um papel aqui, mas a decisão para ler determinados livros – até mesmo livros obrigatórios – deve se situar em um mundo maior de leitura onde você explora aquilo que mais te fascina. Começo com esse conselho porque, se o assunto do livro não te cativar, o restante dos meus conselhos serão muitíssimo mais complicados de serem aplicados. Sua cabeça funcionará mais no modo do dever – Eu preciso encontrar um tempo para ler – ao invés de funcionar no modo do prazer – Eu mal posso esperar para encontrar um tempo para ler. -2. Encontre os lugares corretos onde é mais provável que você descubra grandes livros Eu assino muitas revistas, mas não leio todas elas de capa a capa. Dificilmente encontro alguma revista que possui artigos ou matérias o suficiente que me justifique uma leitura do início ao fim. Minhas assinaturas valem o preço pago por dois motivos muito simples: 1) elas me dão um panorama dos mais importantes lançamentos, me ajudando, assim, a ter um conhecimento básico para o caso de eu decidir ler algum deles; 2) elas me alertam daqueles livros que, definitivamente, não quero ler. Dois dos meus livros preferidos de 2018, por exemplo, foram descoberto em revistas. Um deles foi a biografia que Bob Spitz escreveu sobre Ronald Reagan. Eu já estava familiarizado com Spitz por causa do seu livro sobre os Beatles, mas essa biografia de Reagan foi de longe uma das leitas mais prazerosas que fiz na época. De maneira semelhante, li inúmeras resenhas da nova biografia de Frederick Douglas escrita por David Blight. As resenhas vinham de todas as perspectivas políticas, o que me fez compreender que a importância desse livro ultrapassava sua predisposição política. Se você deseja ler bastante, então desenvolva um processo pessoal para o descobrimento de novos livros. Assine revistas e corra atrás de resenhas literárias na internet. Assim você terá uma noção de quais livros você provavelmente irá, de fato, se interessar e quais você talvez precise se inteirar do assunto, mas que pode facilmente fugir da leitura. Assim, de todos os livros que você comprar, é provável que apenas um em cinco será decepcionante. Isso porque você já terá uma bela ideia do que o livro trata antes de compra-lo. Dessa maneira, você minimiza as probabilidades de ficar preso em livros ruins e maçantes. -3. Leia livros diferentes e das mais diferentes formas Outro insight de Gopnik e que concordo bastante: Descobri que ler é uma daquelas habilidades que se aperfeiçoam com o tempo de prática e que não para de se aperfeiçoar com a muita idade, o que é, de fato, algo encorajador. Quanto mais você lê, mais rápida a sua leitura fica. Quanto mais conhecimento você acumula, mais fácil e mais rápido você assimila o conhecimento de livros semelhantes. Isso significa que, caso você esteja lendo o quarto ou o quinto livro sobre um mesmo assunto, você conhecerá bem o terreno e isso possibilitará navegar mais rapidamente por ele. Você já saberá o que está procurando e onde encontrar. Você pegará o fio da meada em uma hora ou duas, sem nem precisar ter terminado de ler. Você perceberá rapidamente a contribuição do autor ou do tema específico. Por exemplo, comecei a ler diversos livros sobre as parábolas de Jesus quando estava na faculdade. Hoje em dia, tenho dúzias de livros sobre esse tema. Quando novos livros surgem, não corro para compra-los, apenas os adiciono à minha lista. Eu tomo um tempo para ver o que os estudiosos estão falando e me mantenho informado dos novos desenvolvimentos no tema. O mesmo se aplica a diferentes áreas do meu interesse. Se penso em retornar para algum campo que não visito há anos, sei exatamente os livros que preciso ler para refrescar minha memória e me preparar para uma nova jornada. -4. Admita que você tem, sim, tempo para ler Quando alguém me diz que não tem tempo para ler, eu não acredito. Na imensa maioria das vezes sou tão ocupado quanto elas, mas, de algum modo, consigo encontrar tempo. Se você quer ler mais e melhor, tenha um livro por perto a todo instante. Enquanto estiver esperando para cortar o cabelo ou esperando alguma consulta você tem uma escolha: ou ficar subindo eternamente a tela do seu celular, assistindo vídeos e lendo brigas no Twitter, ou investir esse tempo lendo um livro. Quando você está na esteira, se exercitando, você pode ler um livro digital. Quando está dirigindo, você pode ouvir um audiobook. Naqueles momentos à tarde em que todos na sua casa estão ocupados e você tem algum tempo sobrando, vá à sua poltrona preferida e leia por pelo menos vinte ou trinta minutos. Antes de dormir, se você ler por pelo menos vinte minutos, você trilhará um ótimo caminho para ler diversos livros ao longo do ano. Portanto, estabeleça limites para seu tempo assistindo Netflix ou para o tempo que você gasta no celular. Desenvolva esse hábito até que você, naturalmente, prefira ler ao invés de assistir um filme. Faça essas coisas agora, não quando ficar velho ou seja lá quando você acredita que conseguirá desacelerar. Você se surpreenderá com o tanto que você é capaz de ler em apenas 5 ou 10 anos. Se você está nos seus vinte-e-poucos-anos, não espere. Faça isso agora! E, quanto você chegar aos seus quarenta anos, você ser orgulhará muito disso.
Trevin Wax
Trevin Wax

Trevin Wax

6 min
Por uma Igreja inclusiva Os braços estavam doloridos, as descidas e subidas eram íngremes, e deveríamos tomar todo o cuidado para não cair no precipício ao lado. Revezamos quem o iria segurar pelos braços e quem ficaria nas pernas. O menino era pesado, mas não o suficiente para nossa amizade. O dia estava bastante quente, por isso, valeria a pena a longa trilha para depois curtirmos a cachoeira. Nós não deixaremos o nosso amigo para trás. Quatro amigos jovens, um deles, decifiente físico. Éramos da mesma igreja, há muitos anos, e a deficiência nunca foi empecilho para vivermos todos os momentos bons da vida. Nos batizamos juntos, conversamos sobre as primeiras “paqueras”, nos desviamos da fé juntos, retornamos juntos. Sabíamos que o Ricardinho era “diferente” de nós, ao mesmo tempo, era tão igual que a deficiência dele se tornou quase nossa. Na igreja em que crescemos, não lembro de casos concretos de exclusão. Havia ministérios de surdos, uma síndrome de down muito querida e alguns outros casos. Por fim, o próprio pastor da igreja descobriu uma distrofia muscular que o levou à cadeira de rodas. A igreja se adaptou. O palco mais alto ficou para os músicos. Criaram um mais abaixo, acessível à cadeira de rodas, para que ele pudesse subir e pregar. A discussão sobre igreja inclusiva tomou um rumo político e nada pode ser uma perda maior para a Igreja. De um lado, o grupo que reivindica inclusão o faz às custas do fundamento da própria igreja: a palavra de Deus. A inclusão se tornou a adaptação aos discursos vigentes. O problema nisso é justamente a Igreja perder seu referencial de reino da redenção. Na redenção, aquilo que está desajustado encontra seu lugar enquanto santificado pela participação. Na adaptação do discurso, não há participação, pois não há visão de desajuste. O deficiente, por exemplo, está desajustado de viver a plenitude que a “normalidade” permite. Por isso, enquanto comunidade redentiva, a igreja propicia a ele a antecipação de todo ajuste final. A igreja não passa, toda ela, a usar cadeiras de rodas. Pelo contrário, a igreja passa a ser as pernas para aquele que não anda e os ouvidos para aquele que não ouve. A tentação constante da política e dos discursos de identidade é imanentizar a redenção num processo de justificar a realidade tal como se apresenta, ignorando que a harmonia da criação foi comprometida no processo do pecado. E o pecado, herdado e praticado pelos mais ou menos “ajustados”, tende a sugerir que deixar as coisas como estão faz parte do processo da redenção. É a ilusão de identificar algo que está como um deve ser. Não há nada mais contra a inclusão do que isso. É impossível haver inclusão onde existe conformação de que as coisas são como deveriam ser. Qualquer possibilidade de transformação real, própria da redenção, é anulada. Do outro lado, reagindo a essa tendência inclusivista, está o vanguardismo do medo. Qualquer coisa que sugira que a Igreja deva olhar com atenção especial para os fragilizados é identificado com discurso político progressista. “Os pobres sempre tereis convosco” é entendido como imperativo de Jesus para que se evite interferências nas realidades excluídas da vida. É um tipo de imanentização conservadora. Uns naturalizam as diferenças para a inclusão; outros naturalizam as exclusões para a conservação. A igreja que opta por essa mentalidade fica paralisada em sua ação e entrega os que precisam de voz para o grito daqueles que não crêem que a voz, a palavra e o falar de Deus são o maior poder de redenção para a humanidade. Como ser uma igreja inclusiva? Vivência Na igreja em que cresci, o maior exemplo de inclusão que tive foi a própria vivência. O fato de existir um ou mais pessoas com necessidades especiais na comunidade prepara todo o coração da comunidade. Atualmente, toda a comunidade que fazemos parte foi impactada pela vida do nosso filho com suas necessidades especiais. Formação, teologia, envolvimento, tudo isso é muito importante, porém não substitui a rica oportunidade que Deus concede de que haja, naquela igreja, uma pessoa especial. Aos poucos, a necessidade da pessoa se torna uma face da igreja. Ela não se vê mais sem ela. Os olhares tortos, os preconceitos, a vitimização, o capacitismo, tudo vai sendo superado. E aqui, cabe uma palavra de advertência também. Às vezes a igreja não sabe lidar com pessoas especiais. Cria-se um sensacionalismo da cura, do pensamento positivo, do “vai ser curado”. Isso paralisa a igreja em lidar com a pessoa real, e frustra o deficiente para se aceitar e amar, como Cristo aceitou e amou. Evidentemente, devemos orar pela cura. Se, porém, Deus não curar, a igreja deve aceitar, lidar e viver com quem Deus ali colocou. Fóruns de debates A principal tarefa da igreja é a pregação da palavra de Deus. As escrituras e a pessoa de Jesus é a origem e finalidade da igreja. No entanto, a palavra de Deus sempre precisa ser aplicada a contextos e momentos reais. Sendo assim, sempre vemos grupos cristãos discutindo inúmeros temas: política, economia, saúde mental, ação social. Quantas vezes vemos um fórum cristão sobre deficiências físicas e mentais? Pouquíssimas. Na verdade, até o momento, eu não conheço nenhum. A palavra de Deus se aplica também a essas pessoas. Promover esse tipo de formação ajuda, ao menos intelectualmente, a igreja a lidar com essa realidade. Ministérios Entendo completamente as objeções que fazem à ideia de “ministério”. Algumas comunidades usam ministérios como meio de aprisionar a pessoa na igreja ou de infundir ativismo, retirando-a do convívio familiar e do tempo necessário para descanso e lazer. Essas objeções são completamente válidas. Outros podem, ademais, afirmar que a ideia de “ministérios” não é bíblica. Contudo, o serviço é bíblico. A comunicação do evangelho para todas as culturas e condições é bíblico. Nesse sentido, quanto mais uma igreja puder investir tempo e recursos para que o evangelho seja comunicado para pessoas com condições especiais, mais ele irá sinalizar o reino redentor de Cristo na sociedade, e mais ela mesmo desfrutará da multiforme graça e sabedoria de Deus. Sacramentos e ordenanças Reconheço a delicadeza desse ponto. Igrejas que batizam crianças tendem a ressaltar o aspecto inclusivo da criança fazer parte da família de Deus. As chamadas “credobatistas” ressaltam o papel da inteligência na participação do batismo. Eu respeito essas posições, mas não posso deixar de desafiar os pastores de tradição credobatista a reconsiderar o batismo, ainda que de adultos, que possuem dificuldades de expressar a fé de maneira intelectual. É claro que a fé envolve proposições, mas o amor e confiança em Cristo podem ser notados em crianças e pessoas com dificuldades cognitivas. Ainda que se considere o batismo como símbolo, não seria mais proveitoso oferecê-lo aos deficientes intelectuais, incluindo-os simbolicamente no povo de Deus, acolhendo suas famílias e ressignificando sua identidade no mundo? Localidade e acessibilidade Apesar de ser simples, nem sempre isso é considerado na escolha de um salão para a igreja se reunir. Gostamos de pensar em uma igreja próxima a pontos de ônibus ou metrô, para que as pessoas cheguem. Mas, e para as pessoas com dificuldades mínimas de acesso? Recordo-me que, assim que houve o despertar ainda mais inclusivo em minha antiga igreja, investiram em um elevador. Fraldários, elevadores, intérpretes, salas especiais (para acalmar uma criança autista, por exemplo), tudo isso faz parte do investimento para que o evangelho possa ser levado a ainda mais pessoas que carecem da graça de Deus. Humildade Parece bastante desconexo com o restante do texto, mas não é. A pessoa que mais pode falar sobre suas necessidades é a pessoa que passa por ela. A igreja, como receptáculo e transmissora do amor de Jesus, precisa estar disposta e humilde a ouvir os dilemas das pessoas reais. Mudar estruturas, mentalidades e procedimentos só é possível quando nossas toalhas de humildade estão nas mãos para enxugar os pés de nossos irmãos. Só quando a igreja sente a dor do mundo é que ela pode ser transmissora do consolo de Deus.
Gustavo Arnoni
Gustavo Arnoni

Gustavo Arnoni

7 min