Por mais que exista uma constante desilusão com as relações amorosas, elas continuam sendo pauta de grande parte dos seriados, músicas e filmes. As pessoas oscilam entre a descrença de que qualquer amor é possível e a de que só encontrando o “amor da sua vida” a existência terá algum sentido.
Faça um exercício – bastante doloroso, na minha opinião – de ouvir dez músicas sertanejas. Você notará uma devoção basicamente religiosa ao romance que, repentinamente, será transformada em frustração, traição e saudades. Não raramente, terminando com cerveja e noitada em busca do novo amor.
Todos esses relatos, além de serem experiências reais, pelo menos dos amantes de sertanejo universitário, são desenvolvidos conforme dois grandes padrões contemporâneos de relacionamento: o romance e a pornografia.
O romance é uma coisa boa, parte da criação de Deus. Ele tomou feições perigosas quando foi devorado pela revolução afetiva. Sensações, prazer e bem-estar se tornaram a nova base dos relacionamentos. Esse tipo de mentalidade não é exclusividade da cultura “pagã”, mas se tornou até mesmo central no cristianismo popular. Um exemplo claro é a quantidade de vezes que usamos o termo “sentir a presença de Deus”. Em nenhum local a bíblia utiliza o termo “sentir a presença”. Ela diz sobre andar na presença de Deus, estar em sua presença, mas não como “sensações”. Não significa que Deus não gera emoções e sensações em nós. É óbvio que gera. No entanto, sentir não é a base sobre a qual as escrituras desenvolvem o relacionamento.
O mesmo vício emocional que toma a sociedade, toma os cristãos. Isso impede que as pessoas consigam ter padrões morais objetivos para julgar ações. Se a ação parece emocionalmente relevante, ela é tida como correta. Quantas vezes, em seriados, casais desmancham seus relacionamentos por terem encontrando outra “pessoa ideal”? Toda a narrativa ali é construída para induzir os espectadores a concordarem.
De fato, todo discurso de promoção do adultério ou da homossexualidade pela mídia são regados de conteúdos emocionais, pois é o modo mais fácil de transpor a moralidade de alguém para dentro da narrativa afetiva. A pessoa está “feliz” – e pode ser que esteja emocionalmente feliz, mesmo –, portanto, parece ser o correto e é, desse modo, permitido.
O outro grande padrão é o pornográfico. Normalmente, mas com algumas exceções, os padrões românticos atingem mulheres, enquanto os pornográficos, os homens. Corpos perfeitos, intensa disposição sexual, fetiches, sem constrangimento, com tudo permitido, são mentiras que a indústria pornográfica vende. O refém da pornografia tende a ver todos aqueles que estão próximos como possíveis parceiros sexuais.
A malícia se desenvolve no olhar, na audição, no toque, gerando ilusões que, quando desfeitas, geram raiva e vergonha. Os cristãos não estão livres disso. Homens cristãos que consomem ou consumiram pornografia consistem em quase 70%. Possivelmente, um homem cristão que consiga prosseguir para o casamento, terá muita dificuldade de aceitação da parceira e da realidade sexual como ela, incluindo seu próprio desempenho.
Além dessas duas projeções, a romântica e a pornográfica, ainda temos que lidar com os padrões estéticos passados pela mídia. Repare que é muito recente a mulher negra ou o cabelo crespo encontrar espaço no mundo da estética. E parece que sua aceitação teve mais uma motivação mercadológica do que uma ampliação social dos padrões de beleza.
O homem alto, forte, bem-sucedido, totalmente seguro, queixo e ombros largos, forma o ideário masculino na mente da mulher. Ainda que, vez ou outra, as mulheres consigam fugir desses padrões, permanece o ideal de se associar a algum homem de poder. Adolescentes de periferia, não poucas vezes, se apaixonam pelo traficante, que promete certo conforto e proteção. Moças de classe média, não vêem problemas reais em se relacionar com homens muito mais velhos, desde que sejam afortunados e ofereçam conforto material.
Meninos sonham com a mulher fitness, sem estrias, que permanece com o corpo inalterado mesmo tendo filhos. Esperam que todas as mulheres sejam recém saídas de clínicas de estética caríssimas.
Há um irrealismo em basear as relações nesses padrões. A mulher casa com o homem, numa perspectiva romântica, esperando que ele mude, melhore, se torne mais carinhoso. Algumas moças cristãs se envolvem com homens de outra fé na esperança de que se convertam ao cristianismo. Mas, aí vem a frustração da realidade: homens mudam pouco ou mudam lentamente.
A moça cristã, na esperança da conversão do marido, encontra-se num relacionamento conturbado. É afastada da igreja ou se mantém na igreja, porém com conflitos em casa. O homem se casa esperando que a mulher seja sempre a mesma, mas não é. Seus constantes erros magoam, mudam o carinho; o corpo da mulher vai sendo transformado com o tempo e com a maternidade. Ele, insuflado de secularismo estético, começa a se sentir insatisfeito, a olhar outras mulheres. O homem cristão, pouco ciente da riqueza da aliança de Cristo com a Igreja, começa a considerar o divórcio, sofre o distanciamento, começa com a cobrança e a crítica. Fica relapso em manter o carinho que sustenta a mulher emocionalmente.
Por outro lado, os que se julgam um pouco mais “racionais”, tentam fazer suas escolhas no “mercado das relações” não baseados só nos afetos e sexo, mas na identificação. “Preciso escolher alguém da mesma carreira que eu”.
Eu via como era comum, ainda na faculdade de teologia, que amigos projetassem relacionamentos com “teólogas”. Seja por área de estudo, carreira, gostos musicais ou atividades físicas e recreativas, essas pessoas acreditam que a mera identificação seja capaz de fornecer a base duradoura para um relacionamento.
Será que isso é realmente razoável?
Quantas vezes você mudou de gostos, planos ou carreira na vida? Se a projeção de um casal perfeito está nisso, é muito provável que, quando houver a mudança, haja a ruptura do relacionamento.
No relacionamento cristão, existe um princípio básico, origem de todos os outros: a fé. Paulo nos diz, exemplificando esse princípio geral, se uma mulher se tornar viúva, ela pode se casar novamente, contanto que ele “pertença ao Senhor” (1 Coríntios 7:39). Paulo não está dizendo que pessoas não cristãs sempre terão seus casamentos infelizes, ou que só o casamento cristão é um verdadeiro casamento. O que ele está colocando é que existe um ponto elementar que guia todas as ações do cristão. E não há nada mais elementar do que a fé em Jesus Cristo. Todos os gostos e planos podem ser adaptados, mas isso não.
A criação de filhos, as decisões que serão tomadas na vida conjugal, todas elas perderão um elo fundamental se ambos não partirem da mesma visão de mundo. Pense em termos práticos. O que vocês ensinaram que é “certo”, “verdadeiro” e “justo” aos seus filhos? Existem muitos discursos e narrativas na sociedade. Se cada membro do casal partir de um discurso diferente, decisões do casal e educação dos filhos serão quase sempre confusas e conflituosas. Evidentemente, a fé não é garantia de que não existirão conflitos, mas haverá sempre o ponto de ponderação: o Senhor Jesus Cristo e sua palavra.
No entanto, em termos práticos e inspirados pela fé, existem outras virtudes que são indispensáveis em uma relação.
Fidelidade
O autor de Hebreus afirma a necessidade de manter o leito conjugal puro, uma vez que Deus julgará os imorais e adúlteros (Hebreus 13:4). A fidelidade é a base para a manutenção da pureza. A consciência de que firmamos uma aliança um com o outro e diante de Deus nos impulsiona para preservar essa relação. Embora, na prática, o adultério seja o envolvimento pessoal com outra pessoa, Jesus ressalta que o coração sempre precede práticas más. Se você fantasia sexualmente ou romanticamente algo com outra pessoa, Jesus chama isso de adultério (Mateus 5:28). Jó usa a palavra “pacto” para a aliança feita com seus olhos de não olhar de modo luxurioso (Jó 31:1). Pacto é justamente a base da fidelidade.
Cumplicidade
Cumplicidade é o envolvimento responsável na ação de outro. Quando é usado no meio criminal, o cúmplice, ainda que não tenha praticado o crime, é responsabilizado por ele, uma vez que participou ativa ou passivamente. Claro, o casamento não é uma espécie de máfia nuclear para crime em casal. Cumplicidade, aqui, significa a participação ativa do casal em todos os processos familiares. A educação dos filhos não é uma tarefa exclusiva da mãe ou do pai. A administração das finanças precisa ser compartilhada. Todo o dinheiro que entra para a família é da família. Por isso é estranho que casais cristãos pensem em sua carreira e vida profissional em perspectiva mundana. Não existe “minha carreira” em um casamento. Tudo afeta os dois, desde a mobilidade, recursos e tempo. Alguns sacrifícios profissionais não podem ser feitos, uma vez que o sangue derramado será o da própria família.
Lealdade
Lealdade é uma espécie de sinônimo de fidelidade, mas vai além disso. Enquanto a fidelidade pode ser o mero cumprimento de um dever externo, a lealdade envolve a alma da pessoa. José, pai social de Jesus, foi extremamente leal quando quis despedir Maria em segredo ao descobrir sua gravidez. Como estavam sob contrato de noivado, a gravidez de Maria resultaria em punições penais pesadas a ela. José, sendo um homem justo, prefere suportar sozinho a aparente traição e adultério, sendo leal. A lealdade de José foi honrada, a tal ponto de um anjo explicá-lo que nunca se tratou de traição, mas de uma gravidez gerada pelo Espírito Santo, a qual geraria o salvador da humanidade. Ter interiormente a disposição de lealdade com quem você se uniu é algo que Deus nota e recompensa.
Respeito
Qualquer relação que não tenha respeito tem prazo de validade. Namorados ou cônjuges que se xingam, agridem verbal ou fisicamente, regam a destruição de suas relações. Caso seu namoro possua algo do tipo, esse é um sinal claro para que esse relacionamento seja interrompido abruptamente. Esse respeito, porém, vai além de situações mais extremas. Palavras que diminuem, acusações e desconfianças, tudo isso demonstra a deficiência em respeitar plenamente a outra pessoa.
Enfim, retornamos ao título do texto: “Relacionamento perfeito”: isso existe? Não, isso não existe. Existem relações mais próximas de Deus, mais próximas daquilo que é perfeito, e relações mais distantes, mais destrutivas. A perfeição máxima que se espera de uma relação está no amor, que é um reflexo divino para que toda estrutura temporal se ajuste.
O amor é aquilo que nos dá força maior do que a fé que move montanhas; que ajusta todo conhecimento na medida e prioridade certa; que coloca a si mesmo como sacrifício acima de todo holocausto; que suporta e é paciente; contenta-se com o que tem, na gratidão de todo recebimento ser graça; o amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera.